As políticas de habitação promulgadas nos últimos dois séculos moldaram de forma indelével as cidades portuguesas, sendo possível encontrar bairros promovidos direta ou indiretamente pelo Estado em todo o território nacional. A observação do que sucedeu na cidade de Lisboa é particularmente estimulante, pois, em certa medida, abordar a experiência de Lisboa é também falar do caso nacional no seu todo, no sentido em que as medidas implementadas na capital foram frequentemente pioneiras e influenciaram o restante país.
A exposição “Políticas de Habitação em Lisboa: da Monarquia à Democracia” apresenta os resultados urbanos das políticas habitacionais na cidade, destacando as diferenças práticas e conceptuais das várias políticas promulgadas nos últimos duzentos anos, em particular no que respeita a opções de arquitetura, morfologia, desenho urbano, destinatários e localização. Dá-se assim a conhecer a abundante experiência da capital no domínio habitacional e de como as intervenções promovidas por entidades públicas e semipúblicas contribuíram para a construção da paisagem urbana de Lisboa.
Durante a Monarquia Constitucional, na questão habitacional dominou a postura de laissez faire, laissez passer, uma vez que se acreditava que a “mão invisível” do mercado acabaria por resolver os problemas no acesso à habitação. Em Lisboa, das entidades públicas nada mais existiu do que ideias bem- -intencionadas. A solução do problema habitacional foi deixada para os privados, que aproveitaram o momento de explosão populacional para acrescentar andares e mansardas a edifícios já existentes, assim como dar uso habitacional a lojas, caves, antigos espaços conventuais e palácios desocupados. No final do século XIX disseminaram-se, ainda, pátios nos logradouros dos edifícios e, de forma algo mais inovadora, surgiram vilas operárias dispersas pelo tecido urbano, sobretudo nas proximidades das áreas industriais entretanto criadas.
Durante a Primeira República, em 1918, no interregno sidonista, foi lançada a primeira política de “habitação social” em Portugal. Tratava-se de uma medida que previa vários benefícios para privados e cooperativas construírem “casas económicas” com apoios do Estado. Como contrapartida, essas entidades deveriam arrendar as habitações a preços reduzidos.
“Deposto” Sidónio Pais, em 1919 surgiu uma nova política de habitação com o objetivo de construir “bairros sociais” em várias cidades do país, num modelo em que a administração pública assumia todo o processo. Os resultados destas medidas foram residuais, com a construção de um número reduzido de habitações, promovidas sobretudo pela administração pública. No caso de Lisboa são exemplos os Bairros da Boa-Hora (na Ajuda) e do Arco do Cego, que depois de vários contratempos durante a construção viriam a ser inaugurados em meados de 1930.
Na década de 1920, a Câmara Municipal de Lisboa elaborou um levantamento de “concentrações clandestinas”. Neste levantamento – o primeiro do género realizado pelo município –, foram identificados 78 núcleos clandestinos, com 11 174 habitações e 41 796 residentes, o que correspondia a cerca de 8% da população lisboeta.
A Ditadura Militar pouco acrescentou às políticas de habitação, não oferecendo soluções para a população mais carenciada, que, teve de continuar a de resolver os seus próprios problemas de habitação.
Durante este período foram promovidas várias políticas habitacionais, com destaque para as casas económicas (1933), as casas desmontáveis (1938), as casas para famílias pobres (1945), as de renda económica (1945), as de renda limitada (1947), e os desenvolvimentos em Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas no crepúsculo do regime. Estas medidas influenciaram a paisagem urbana, num primeiro momento, com a construção de bairros de casas económicas, com moradias unifamiliares que apelavam a um ambiente ruralista e vernáculo, seguindo-se planos urbanos mais elaborados, como o caso do Bairro de Alvalade e, num “último momento”, em Olivais Norte e Sul e Chelas, já com o domínio da linguagem modernista.
Sobre as políticas habitacionais do Estado Novo, poder-se-á dizer que raramente saíram dos limites corporativos do regime, pelo que os programas urbanos se destinavam, de forma geral, à classe média e, dentro desta, a determinados grupos profissionais que foram continuamente privilegiados, deixando parte substancial da população desprotegida.
No início da década de 1970, um levantamento da Câmara Municipal de Lisboa apontava para a existência 197 núcleos de habitações precárias, com um total de 18 986 alojamentos, nos quais residiam cerca de 22 000 famílias.
Após a Revolução de Abril, em 1974, foi criado o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), suspenso poucos anos depois, mas que deixou, até hoje, uma marca importante na cidade e na forma de constituir políticas de habitação.
Em 1990 (14 anos após a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa) estimava-se que, no município de Lisboa, existissem cerca de 200 bairros de habitações precárias com cerca de 25 000 habitações e 70 000 residentes. Na transição entre as décadas de 1980 e 1990 deram-se importantes transformações socioterritoriais, com o Programa de Intervenção a Médio Prazo (PIMP), em 1987, e com o Programa Especial de Realojamento (PER), em 1993. Ambos permitiram a construção de cerca de 20 000 novas habitações públicas, realojando a população que residia nos antigos bairros de habitações precárias. O PER, em particular, foi o último grande programa habitacional e, do ponto de vista quantitativo, o mais importante na história das políticas de habitação portuguesas.